estórias
Existem muits estórias a serem contadas po aí.
Todas elas merecem um par de ouvidos atentos pois, por mais semelhanças que tenham, uma estória nunca será igual a outra. Cada uma carrega um DNA, uma impressão digital, ou uma impressão que deixou no coração da pessoa que a conta, que a ouviu, que a viveu, plagiou, copiou, desacreditou, etc.
E elas não precisam ser fantásticas, envolver lutas ao redor da galáxia, ameaças de destruição de planetas, jornadas pela salvação de toda a humanidade.
As melhores estórias são as pequenas. Aquelas que podem ser resumidas numa única frase. Aquelas que acontecem num período de tempo pequeno, num espaço pequeno. Dois minutos num quarto. Duas pessoas. Pronto. Já pode-se tirar uma boa estória daí.
Pode ser um caso de amor, uma traição, um assassinato, uma piada, uma descoberta, um milagre, qualquer coisa.
E na verdade, as pessoas são meros penduricalhos. Pode-se escrever uma estória sobre um guarda chuva, uma saboneteira, uma metralhadora, um pneu, uma cidade.
Ontem, no caminho que, graças a Deus, eu faço todo dia da faculdade pra casa, eu vi, apoiada com a mão direita num poste, uma senhora, bem idosa, com um vestido vermelho de flores brancas, daqueles bem típicos de avós do interior, chorando copiosamente. A mão esquerda, confusa, não sabia se tapava o rosto ou limpava as lágrimas, que vinham em profusão numa quantidade grande demais para aquela pobre velhinha conseguir esconde-las.
Eu passei por ela.
Parei.
Olhei para trás. Pessoas iam e vinham e nem notavam a velha mulher e seu desfile de lágrimas, dando a impressão de que a mulher fosse um apêndice do poste. Um objeto que, se notado, era mal visto, um sensação de "não quero ver a tristeza, a miséria; se não quero ver, não vejo; se não vejo não existe".
Mas ela existiu demais para mim naquele momento. Voltei, disse oi e perguntei se poderia fazer alguma coisa. Ela não disse nada, não sei se porque não quis ou porque não conseguia dizer nada.
Insisti se não poderia fazer algo para ajudá-la. Ela disse "ô meu filho...obrigada...mas não...pode ir por favor". Nessa hora chegou um rapaz, chamando ela de vó. Devia ser pouco mais velho que eu. Agradeceu minha preocupação e a levou embora.
Eu fiquei ali. Tentando entender tudo aquilo. E o mundo continuava indo e vindo. Girando, subindo, descendo, dobrando a esquina, comprando sapato, debitando do saldo, abrindo uma conta, assaltando uma casa, casando, desquitando. E eu continuei ali enquanto o mundo ignorava todo o resto.
Aquela emoção dela, passou para mim. Fiquei preocupado com ela. Pensei: como, depois de ver uma mulher chorando de uma forma tão sentida e sincera daquele jeito, eu posso ignorar esse fato, fingir que nada aconteceu ?
A primeira imagem dela foi a que mais me chocou. E com certeza eu percebi que tinha uma estória ali a ser contada. Uma estória de muita emoção, dor e sem final feliz, pois, até o último capítulo, para mim, foi o neto recolhendo sua avó ainda em prantos. Porque ela chorava? Por que ela estava ali? Se fosse um filme, ela seria "mocinha" ou "vilã" ?
Ninguem sabe nada sobre ninguem. A minha estoria nem eu conheço direito, oque dizer então as outras pessoas. Ironicamente fiquei com a sensação de que a solidão é o sentimento coletivo,que nos une. Na solidão não estamos sozinhos. Na alegria talvez sejamos poucos.
Outra coisa que me impressionou foi o fato de ela estar apoiada no poste.
Na verdade ela estava debruçada no poste, que a segurava. Aquele poste sem braços era seu ombro amigo.
Fiquei pensando, quantas estórias podem ser tiradas desse poste.
Uma senhora em prantos o usou como apoio. Antes, talvez, um amor a primeira vista pode ter começado, um criminoso pode ter nesse poste trombado quando fugia da polícia, um carro nele pode ter batido, durante sua instalação o transito de pedestres pela calçada pode ter sido desviado, e assim duas pessoas que não se conheceriam, finalmente, se conheceram.
Há muitas estórias a serem contadas.
Todas merecem ouvidos para escutá-las, mãos para escreve-las e imaginação para inventá-las.
É isso que eu quero começar a fazer agora.
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