Wednesday, January 26, 2005

Café da Manhã

-Você tem certeza que é assim que tem que ser - ela levanta a pergunta enquanto pousa seu olhar ao dele, e percebe a inquietação e o nervosismo crescerem dentro de ambos - E se a gente dar um tempo...sei lá...quem sabe a gente consegue sair dessa?
- A gente já deu tempo demais...você realmente acha que dá pra continuar assim nessa situação??? Eu já não aguento mais. Tenho que fazer alguma coisa. Não to tomando essa decisão só por mim não. É por nós dois. Nem tudo na vida é sombra e água doce.
- Água fresca ; corrige ela.
- Que seja.
Ele falava com uma certeza e uma desesperança tão grandes que a assustavam, mas suas palavras pareciam sentenças para ela. Não tinha como fugir do seu veredicto. Como as coisas foram chegar à esse ponto? Foi culpa de quem, eu fiz tudo que pude, pensava ela. Como todo homem, a sensibilidade dele estava à milhas de distancia do necessário para saber pesar as palavras e suas consequências. Mas ela sabia que também tinha culpa. Ela sabia muito mais que ele na verdade. Embora não o percebesse.
- Eu só tenho medo de a gente se arrepender...quer dizer, pra mim, isso não é o certo a fazer, mas quando você fala parece ter tanta razão...eu to confusa.
- E eu tenho razão. Você não olha pros lados não ???? Não percebe como a gente tá vivendo??? Você mesma disse que tá confusa...não tem como julgar as coisas , saber se é bom ou ruim.Deixa isso comigo. Confia em mim. Vai ser melhor assim.
- Eu sei. Eu confio em você.
- Eu não queria ter que fazer isso...mas...foi assim que as coisas aconteceram. Não tem saída agora. Não tem outra solução.
- Mas só quero deixar claro uma coisa - e agora ela fala com uma clareza e convicção com a qual muito o tempo não falava - depois disso, não tem mais volta. Você sabe.
- Eu sei... já pensei muito nisso.
Em nenhum momento ele olhava para ela quando falava. Suas palavras seriam traídas pelo seu olhar,- Homens são burros demais pra mentir direito. Uma mulher sempre vai perceber quando um homem está mentindo; dizia sua mãe. Toda aquela pose de convicção na atitude que decidira tomar era pura fachada, e não podia deixar ela perceber que por dentro ele estava mais perdido que ela, que não tinha certeza nenhuma de que este era o melhor caminho pra eles. Estava desesperado, mas ele era "O HOMEM" para ela. Ela o via quase como um Deus. Estavam ambos doentes.
- Vamos. Tá na hora.
Ela começou a chorar. A tristeza era imensa, como nunca sentira antes,mas em nenhum momento o questionou, nem pensou mais em voltar atrás. A decisão já estava tomada havia muito tempo. Realmente parecia que toda a sequência de acontecimentos levara a isso. Era o fim de suas ópera. Ela olhou pra ele uma última vez. Só agora percebia que nunca mais veria aqueles olhos que a faziam sentir-se única no mundo, segura, tranquila. Nunca mais sentiria o toque da sua pesada mão de homem em seu corpo. Seria a última vez que ouviria aquela voz grave e rouca , cheia de lembranças de um tempo agora tão distante , que pareciam ser memórias de uma vida passada.
Achava que o fim que se aproximava, vinha da maneira como tinha que ser. A tristeza só foi crescendo com o tempo, e agora atingiria o auge justamente no fim, não foi causado pelo sofrimento, achava ela. Como todo drama, era o fim perfeito para a obra de sua vida. Sentia no fundo que toda sua vida fora um anticlímax, a véspera para oque estava para acontecer.
- Você tem que ser forte; diz ele, sem poder ser mais clichê.
- Eu vou ser ...não se preocupe ; balbucia essas palavras enquanto limpava as lagrimas.
- A vista é linda daqui de cima né . Devia ter te trazido aqui mais quando era pequena.
- Agora é tarde!
- Mas será que...
- Vamos!
No dia seguinte os jornais levavam uma nota no canto da quarta página do caderno de "Cotidiano", falando do suicídio de pai e filha no dia anterior, que haviam se jogado do Décimo segundo andar do prédio que moravam.


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Trilha sonora enquanto escrevi isso: "The House where nobody lives" , Tom Waits, album "Mule Variations"

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